quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

E a adolescência, Rita?

(onde se escreve para não esquecer)


 
Muitas vezes, no ano passado, me questionei sobre o que teria acontecido ao meu filho Diogo, que deixei de reconhecer. Seriam efeitos da entrada na adolescência? Seriam influências exteriores nocivas? Agora sei a resposta, inequivocamente. E esta fase está a ser tão deliciosa que tenho mesmo de escrever, para nunca me esquecer de como é bom ser mãe de um adolescente.
Filho grande mudou definitivamente de estilo. Está crescido. Apesar de me fazer uma certa confusão, acho piada ao grito encalorado do Ipiranga. As calças de ganga têm de ser slim fit e da H&M. As camisolas de lã e os polares foram substituídos pelas sweatshirts (da H&M, pois claro). Está demasiado frio para isso, mas resolvi o problema comprando-lhe umas camisolas interiores térmicas especiais para a neve. Se não podes vencê-los, junta-te a eles, certo? Nem pensar em usar Kispo, cachecol ou gorro. Isso é coisa de meninos. Mas, este Inverno, lá consegui convencê-lo a comprar umas botas, usando exactamente os mesmos truques que usava quando ele era pequenino. Mimando-lhe o ego, elogiando-lhe a singularidade. Agora, ostenta orgulhoso umas botifarras pretas número 44, que lhe dão um andar gingão.
O corpanzil em crescimento ainda não encontrou dono. É como se o meu Diogo transportasse uma casa de caracol desconhecida às costas. Os movimentos continuam descoordenados e bruscos. Quando se lança para cima do sofá desencadeia um terramoto. Quando desce as escadas é como se uma manada de elefantes se tivesse posto em debandada. É de tal forma ruidoso que, do outro lado da parede, ouvimos frequentemente queixas da vizinha. De manhã, acordamos todos ao ritmo do Diogo. Enquanto prepara o almoço na cozinha para levar para a escola, bate com as portas dos armários. E com os pratos e os copos e os talheres. É inimaginável. Mas se ralhamos com ele, pede desculpas sentidas por aquele corpo estranho que ainda não consegue dominar em silêncio. Felizmente, agrada-lhe o que vê ao espelho. Apesar das borbulhas e do remoinho persistente no cabelo. Diz muitas vezes que é bonito. Eu também acho, mas nego porque gosto de gozar com ele.
Continua magro. Sinceramente, não sei como. Entrou naquela fase em que come desalmadamente todo o santo dia. O problema é que o filho crescido sempre comeu bem, portanto a coisa agora atingiu um nível verdadeiramente assombroso. Já deixei de ralhar quando se põe a comer antes das refeições, porque sei que passado pouco tempo está novamente esfaimado. Devora dois pratos cheios, empurrados com umas quantas fatias de pão. Seguidos de fruta, sobremesa e um iogurte com granola. Às vezes, mais um prato de sopa. Acreditem, é impressionante. De tal forma, que tenta sempre que os amigos venham dormir lá a casa, porque tem vergonha de comer este mundo e o outro à frente de estranhos. Quando o vamos buscar a casa de alguém, diz sempre que se divertiu… mas que passou fome. Adora a comida que faço (acho que é mais a quantidade) e não me poupa elogios. Horas antes das refeições, já está a perguntar o que vou fazer. E vai à cozinha cheirar, porque já se sabe que a refeição começa sempre pelo nariz. Tem imenso orgulho na comida caseira que leva para a escola. Gosta de me contar quem andou atrás dele para provar isto ou aquilo e o que disseram da minha comida. Por ele já me tinha inscrito no Masterchef. E eu, que sou uma maricas, fico feliz por pensar que quando for homem há-de sempre voltar porque a comida da mãe é a melhor.
Desejei muitas vezes que este meu filho descobrisse uma paixão na vida. A sua paixão. Tipo uma bússola que indica o Norte, impedindo que se perca. O Diogo gosta de inúmeras coisas, sempre foi um miúdo bastante disperso. Até que começou a tocar órgão de igreja. E fez-se luz. Não há dia que não toque, que não fale das novas músicas que está a aprender, que não peça para o ouvirmos tocar. Anda sempre pela casa a cantarolar. A música clássica fascina-o. Conta os dias que faltam para ter aulas e reclama nas férias. Até o trompete, que andava meio esquecido nos últimos tempos, ganhou novo alento. De vez em quando, lá ouvimos a vizinha reclamar, do outro lado da parede. São onze da noite e ele ainda está a tocar, alheado do mundo. Talvez por isso tenha recebido um boletim excepcional, no Natal. Acho que tocou o coração de um velho professor de órgão, que diz nunca ter tido um aluno tão aplicado. Este ano, termina o curso de solfejo e de trompete na Acadèmie, como um crescido. E eu ainda o vejo tão pequeno.
Ele pensa que não. Pensa que eu o vejo como um adulto, porque o trato como gente grande. Dou-lhe autonomia e liberdade. Respeito-o. Mal ele sabe que fico a rezar para que chova para ter uma desculpa para o ir buscar à igreja, quando sai tarde. Mal ele sabe o que me dói deixá-lo voar. Tenho sempre medo. Mas obrigo-me a deixá-lo ir. Os filhos foram feitos para abandonar o ninho. E estou desconfiada que as dores de crescimento são exclusivamente maternas. Na segunda-feira, o filho crescido não teve aulas e foi pela primeira vez sozinho a Liège. Só impus uma condição: ir com um amigo. Nunca se sabe o que pode acontecer, a dois sempre é mais seguro. E eles lá foram, numa alegria parva pela liberdade recém-conquistada. Na noite anterior, preparei-lhes o farnel e comprei-lhes os bilhetes de ida e volta, pela net. O meu amor fê-lo decorar o horário dos comboios. Acho que estava ainda mais nervoso do que eu, mas não deu parte fraca. Passou o dia a telefonar-me com desculpas patetas para ter notícias dele. O Diogo foi-me mandando várias sms, como tínhamos combinado. Andaram a ver lojas, mas já não havia saldos. A meio do dia, ligou-me. Tinha encontrado uma das BD preferidas do irmão e queria saber se ele já tinha aquele número para lho comprar. Eu ia morrendo de orgulho, confesso.
A imensa doçura do Diogo enternece-me. Sempre pensei que, por esta altura, já eu tivesse de andar atrás dele a pedinchar beijos. Mas é exactamente o contrário. O Diogo continua muito melado. Suponho que quando uma criança cresce lambuzada de mimo, constantemente a ouvir dizer que é amada, continua a precisar dessas doses de afecto quando cresce. No outro dia, estava escrito no quadro da cozinha: “Gosto muito de ti, Diogo. Ass.: Mãe”. Perguntei quem diabo tinha escrito aquilo. Eu sabia que não era. Filho crescido lá me respondeu a rir e sem qualquer vergonha que tinha sido ele próprio… “Já que não me deixas bilhetinhos de amor como fazes com o Pascal”. Nessa noite, preparei-lhe a lancheira da escola. E pus-lhe uns biscoitos que tínhamos feito em forma de coração. E escrevi um papelinho. Ele agradeceu, sentido. Mas ontem estava distraído a mostrar-me fotografias no telemóvel e vi que ele tinha fotografado a lancheira com o bilhetinho. Larguei a rir e disse-lhe que era mesmo um mimado. Mas pensei cá para comigo que ter a coragem de admitir, quase com 15 anos, que se precisa de mimo revela uma inteligência emocional rara nos homens. Não sei muito bem o que nos espera, mas devemos estar no bom caminho...

 

4 comentários:

  1. É tão bom ler um relato assim da adolescência :)
    Grande Diogo!

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    1. No fundo, isto não é muito diferente de quando eles são pequenos: há fases desesperantes e fases deliciosas. E a coisa vai alternando para não darmos completamente em malucas. :)

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  2. ADOREI!! O meu faz 14 em breve e há algumas semelhanças. Mas melado não é...nunca foi. Mas demonstra de outras formas. E quando se chega a mim e pede e dá um miminho é o paraíso, porque é raro. Também eu estou a adorar esta fase. Mesmo com todo o reverso da medalha, que existe claro que sim...No fundo é como dizes, nada muda assim tanto, ontem as birras, hoje os amuos e as mudanças repentinas de humor, mas tudo fica mais ou menos igual.

    Susana

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    1. Obrigada, Susana. Ainda bem que mais mães se revêm nesta imagem de adolescência positiva... quer dizer que o meu é normalzinho! :)

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