terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Males que vêm por bem

(é só preciso saber esperar)


Sexta-feira passada, passei o dia todo a maldizer a minha vida. Mal eu sabia que ainda havia de agradecer...

Por que raio é que a festa de Saint Nicolas da escola do Vasco tinha de começar às 13h30? E, ainda por cima, só avisaram em cima da hora. (Quer dizer, acho que avisaram com a devida antecedência, mas o papel andou vários dias perdido no buraco negro que é a mochila do meu filho pequeno.) Como se as festividades escolares fossem um motivo válido para faltar ao trabalho. “Desculpe lá, chefe, mas amanhã não posso vir trabalhar porque o meu mais novo tem a festa de Saint Nicolas lá na escola e vai fazer de serpente.” Estava fora de questão. Ainda se fosse o menino Jesus… Mas, depois, a coisa pequena fez olhinhos de bambi. Cheios de lágrimas. E eu lá liguei ao chefe a dizer que tinha sido apanhada desprevenida pelas temperaturas amenas para a época (tipo, 6º) e que ainda não tinha ido pôr os pneus de Inverno. O que era a mais pura das verdades. E que anunciavam um nevão para a madrugada de Domingo. O que talvez fosse um bocadinho exagerado, mas plausível. Afinal, sempre há vantagens em viver nas Ardenas, onde nunca ninguém sabe muito bem que tempo é que faz. Mas é sempre pior do que no resto do país. Três centímetros de neve em Verviers podem bem transformar-se em dez centímetros lá para os meus lados.

Folga trocada, aproveitei para ir à garagem de manhã pôr os pneus. O meu novo mecânico é um tipo um bocado estranho. Estranho, tendo em conta o estereotipo profissional. Não tem calendários de mulheres nuas nas paredes, a garagem está impecavelmente arrumada, ele está sempre bem vestido e de mãos limpinhas, oferece-me café, nunca lhe vi o rabo, tem uma gata toda branca que trepa pelo meu casaco acima para se alapar ao colo e dois jack russell velhotes que tentam sempre enfiar-se no meu carro. E não é caro.

Mentira transformada em verdade, lá fui eu assistir à festa da escola. Como estava sem carro, tive de atravessar Vielsalm a pé e cheguei atrasada. Menos mal, talvez conseguisse evitar as apresentações dos miúdos mais novos. Aparentemente, sou a única mãe que acha as festas da escola uma grandessíssima estopada. O salão de festas estava à cunha. É inacreditável como neste país há uma enorme flexibilidade de horários de trabalho. Mães, pais, irmãos, avós, tios, vizinhos. Como sou pequena, não via nada com aquela multidão à minha frente. O que não seria de todo grave, se o Vasco conseguisse ver-me do palco. Toda a gente sabe que as mães vão às festas da escola para serem vistas pelos filhos e não o contrário, como se pensa. Lá fui eu furando, furando, furando, até chegar ao corredor central. Senti uma mão ligeira pousar na minha mochila. Virei-me e percebi que uma velhota tinha decidido aproveitar a boleia. As cadeiras estavam todas ocupadas. Sentei-me no chão, de pernas cruzadas. Ouvi-a abrir um banquinho e sentar-se, atrás de mim. Velhota esperta. Fez-me uma festinha na cabeça e perguntou-me em que ano estava o meu irmão. Que ela não tinha ali nenhum neto, mas que todos os anos vinha assistir à festa de Natal porque achava tudo muito profissional. As cortinas até abrem e fecham sozinhas. Suspiro. A tarde avizinhava-se longa. Depois de uma série de musiquinhas intermináveis, muitas criancinhas desengonçadas e várias professoras com bandeletes de rena a mimar entusiasticamente a coreografia, vi a minha serpente durante três minutos. Um pequeno sorriso cúmplice mostrou que ele também me viu. Missão cumprida.

Entre a troca de pneus e a festa na escola, foi-se o dia de folga que eu tanto prezo.

Sábado à tarde, no escuro do cinema, o Vasco conseguiu a proeza de arrancar novamente o arame do aparelho que a ortodontista tinha arranjado quinze dias antes. Arames duplos indestrutíveis, segundo ela. Ontem telefonei, envergonhada, para marcar mais uma consulta de urgência. A secretária sabe de cor o meu dia de folga. Se podíamos passar na terça-feira, no final da manhã? Claro que sim. Eu, não… que i.n.f.e.l.i.z.m.e.n.t.e troquei a minha folga. Mas o meu amor pode, claro. Tal como pode tentar arranjar uma boa desculpa para a fúria destruidora da coisa pequena. E pedir com jeitinho se seria possível, desta vez, pôr arames triplos. Ou soldá-los, sei lá. E, já agora, se esta nova reparação também estará incluída no orçamento inicial…

2 comentários:

  1. O teu mecânico cá em Portugal não se safava... oficina limpa e arrumada significa que ele não é lá grande mecânico... ahahahahahah

    Realmente, tens razão, as festas das escolas são para os filhos verem as mães e não o contrário. Como é que nunca me tinha ocorrido tal coisa?! Sou uma novata nestas andanças...

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