sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Cenas de gaja

(é dar pérolas a porcos, senhores, é dar pérolas a porcos)



Apaixonei-me pela minha “irmãzinha belga” quando a vi acabada de sair da maternidade, linda de morrer. Dei-lhe colo, mudei-lhe fraldas, aturei-lhe birras, dei beijinhos em joelhos esfolados e penteei caracóis loiros rebeldes. Sabe-se lá como, no meio de três rapazes e uma maria-rapaz mais velhos, transformou-se na coisa mais coquete do mundo. Fiel às suas convicções, escolheu uma profissão que lhe assenta como uma luva e está a estudar para ser esteticista. E está sempre a precisar de modelos, que é uma forma mais simpática de dizer cobaias. Evidentemente, é aqui que as coisas se complicam para a minha pessoa. Porque quando ela põe os imensos olhos azúis em mim e me pergunta com aquela voz docinha se posso servir de modelo, eu não consigo dizer que não. Arrependo-me sempre, mas não consigo dizer que não.

Esta semana, começou um estágio num gabinete de estética em Liège e pediu-me que passasse por lá, no primeiro dia, para mostrar à patroa todas as suas imensas qualidades numa cobaia modelo. Pediu-me com aqueles olhos azúis e a voz docinha. Não tive coragem de recusar. E arrependi-me no minuto seguinte, claro. Mas estava longe de adivinhar a extensão do meu arrependimento. Foram horas, senhores, de pura tortura!

O que queria fazer como tratamento estético, perguntou-me quando cheguei ao meio-dia. Hum… tipo… nada? Vá, qualquer coisa rápida e indolor. Um tratamento do rosto? Seja, diz que é relaxante. Não achei. Entre o vapor que me entrava pelo nariz acima e me sufocava, a exfoliação que me arrancou metade da pele e a máscara com parafina que me fez sentir uma múmia, passando pela “extraction des comédons”… maneira simpática de dizer que os meus pontos negros foram todos espremidos até à raiz dos dentes. A massagem final deve ter sido muito boa, parece que durou meia hora. Devo ter adormecido exausta nos primeiros três minutos. Pelo menos, deixei de ter vontade de fazer chichi… raios partam a música Zen com sons de água!

Quando acordei, fui informada que podia escolher entre uma manicura, uma pédicure ou a depilação completa. Bolas, venha o diabo e escolha! Vá, a depilação. Pelo menos, é útil. Escolha acertada, eu parecia um Yeti. Só que os meus pés estavam em muito mau estado. E as mãos também. A minha irmãzinha estava decidida a provar que sabia fazer todo o tipo de tratamentos estéticos. De repente, percebi por que raio tinha sido eu a escolhida para inaugurar o estágio: em apenas metro e meio de gente havia trabalho que nunca mais acabava! As horas seguintes, passei-as em puro sofrimento. Fui extirpada de pêlos e postas de pele a uma velocidade estonteante. A patroa ia entrando e corrigindo. Eu tentava distanciar-me do meu corpo, concentrar-me em inspirar e expirar para controlar a dor, tipo parto. Pensava nos miúdos que estavam para chegar da escola, na fortuna que ia pagar de estacionamento, no frango que me tinha esquecido de descongelar para o jantar. Na porra da música Zen, agora com sons de passarinhos. Nos estalos que nunca dei a esta miúda e que ela estava a fazer por merecer…

Finalmente, a tortura acabou. Pensava eu. Ainda faltava aplicar o verniz permanente, que a minha irmãzinha nunca tinha feito e que a patroa tinha todo o gosto em mostrar, visto que a cliente das 4h00 estava atrasada. Nunca roguei tantas pragas a uma pessoa sem a conhecer! Que cor é que eu queria? Transparente, olha que pergunta! E aqueles olhos azúis em mim… Pronto, já que é para a desgraça, seja cor-de-rosa. Um sorriso dela e eu ganho o mundo. Põe camada atrás de camada de bases, vernizes, brilhantes e sei lá mais o quê. Pinta uma unha, põe no forno. Pinta outra unha, volta a pôr no forno. Nunca me senti tanto um papo-seco como naqueles 30 minutos. Para finalizar o processo, limpou-me as unhas com acetona. Espera lá… não percebo grande coisa do assunto, mas a acetona não serve justamente para tirar o verniz?! Não, aquilo era verniz permanente, não é assim tão simples de tirar. Hum… acho que é melhor não fazer mais perguntas.

Quase 17h e eu estou pronta. Toda dorida, mas pronta. Fico a saber que o martírio a que me sujeitei durante horas a fio os tratamentos que me fizeram custam mais do que eu ganho por mês. Mas haverá alguém são de espírito que pague para lhe fazerem aquilo?! A mim, tinham era de me pagar para voltar a pôr lá os pés. A minha irmãzinha abraça-me e agradece a simpatia (nem ela imagina quanta). Diz-me que já só falta cortar o cabelo para ficar linda para receber o meu amor que está para chegar. Cortar o cabelo, eu?! Não faço isso há séculos. Nota-se, responde-me. Depois, muito depressa, diz que não faz mal porque tudo o resto está perfeito. Até já posso usar saias. Ele não gosta de saias. E sapatos de salto alto? Também não. Mas uma boa maquilhagem, fica sempre bem. Ele odeia mulheres maquilhadas. Pronto, as mãos ficaram muito elegantes. Se há coisa que ele abomina são unhas pintadas. Ahhh… então, ainda bem que ele me encontrou, não é verdade? Parece-me que isto não era bem um elogio...

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